23 julho, 2010

«« I Carta a mim mesma ««


Escrevo-te, não porque goste de o fazer, como sempre te digo não passas de uma chata convencida.
Estás a ver, acabaste de o demonstrar com esse sorriso dissimulado, que te adivinho ao canto da boca.
Mas adiante, escrevo-te porque só tu me pareces entender, só tu sabes decifrar cada ponto final, em cada frase escrita, em cada verso perdido.
São tantas as vezes em que me pergunto, quem sou afinal, que força é esta que me faz pegar num pedaço de papel e ensopá-lo de sílabas e rabiscos que tão poucos entendem, qual a necessidade que me move em cada poema, em cada frase esculpida metricamente, em cada transfiguração.
Quero confessar-te um pequeno segredo, também tenho segredos, qual o poeta que não os tem. Podes pensar que é dissimulação, mas, por vezes tenho medo do que escrevo, tenho medo da força invisível das minhas palavras, dos sentimentos expostos, das raivas acumuladas e que se soltam como bala perdida em busca de um alvo.
Depois minha velha amiga, preciso de me desnudar e escrevendo é a forma mais racional em que o sei fazer, não desnudar-me no sentido relativo da palavra, mas desnudar os recantos escondidos da alma, aqueles que em meu perfeito juízo escondo a todo o custo.
O contra senso é que nos momentos em que deveria dizer de minha justiça me calo, essa outra coisa que não entendo, o bloqueio que me aflige nas horas mais impróprias, nos momentos em que deveria soltar tudo o que me moí, acerca-se de mim o silêncio, gélido de quem não está ali, de quem deu o salto para o infinito e lá se resguarda do mundo.
Depois olham-me como louca, esquecem-se que os loucos também sentem medo, também sentem frio. E como é frio o olhar acusador de quem não nos entende, mas mais frio ainda é quando fazem questão de não nos entender.
Hoje também me apetece dizer-te outro pequeno segredo, apetece-me falar-te da minha caminhada em busca de recordações para as quais não encontro ponto de referencia, é como se num tempo ido tivesse vivido uma outra vida, umas vezes essas recordações assolam-me quando penso que durmo o sono dos justos, outras vezes saltam como bonecos inanimados no bastidor do artistas, por vezes esses bonecos ganham vida em situações do dia a dia, numa leitura, numa foto de um qualquer lugar onde nunca coloquei o pé, mas que o meu olhar reconhece num primeiro reflexo.
Eu não te disse, só a ti posso escrever, não tenho mais ninguém a quem o possa fazer, quem me entenderia senão tu, quem estaria disposto a ouvir estas sandices, para no final me dizer, não estás louca, comigo passa-se o mesmo.

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