30 julho, 2010

«« Em cada foto tirada ««


Ao olhar a folhagem espessa e amarelada
Adivinho uma luz sob o olhar atento
Uma emoção que quer abraçar o tempo
Num clik eterniza o momento
Será que o sabe essa árvore cansada

Adivinho o bater do coração
Sempre de objectiva na mão
Teus vislumbres de poesia
Em cada foto tirada, vejo magia
O ar fresco de cada madrugada

Sempre que sonhas um novo quadro
Quase adivinho teu ar abismado
Ao olhar a nova meta
Uma árvore onde dorme uma borboleta
Que me traz presa nas cores nova balada

Em cada foto tirada
Revejo os teus passos
Consigo seguir os laços
Que te fazem subir a escada

Que leva ao firmamento
Sempre que eternizas o momento
Em cada imagem nova caminhada

«« III Carta a mim mesma ««


Olá menina de mil palavras, que te vais desnudando ao olhar de quem te lê.
Há já algum tempo que não tinha necessidade de falar contigo, mas hoje depois de uma insónia daquelas em não preguei olho a noite inteira, também pudera, por aqui ontem fez tanto calor, e eu sem saber o que fazer em mais um dia de folga, onde tudo e todos trabalham menos eu, dormi, regaladamente a tarde toda, fazes o favor de não rir, querias que andasse na rua a queimar os neurónios, era só o que me faltava.
Como te estava dizendo não dormi a noite passada, mas ao contrário de outras noites de insónia, ao fim de algum tempo de infelicidade senti-me feliz, feliz por estar viva, feliz por ter uma imaginação fértil que me transporta para outros mundos e me mostra campos floridos no Inverno.
Tudo isto apenas para te dizer que escrevi em cada minuto de insónia, ah pois tu ainda não sabes, mas ando ás voltas com um romance, um destes dias mostro-te um capítulo, mas do meio da história que é para aguçar o apetite.
Escrevi uns versos também, tenho gostado de escrever o bem-dito romance que nunca mais está pronto, ainda não decidi se o cavaleiro mata o cavalo e fica com a dama, é que esta coisa de pensar que se é escritor é mais complicado do que parece. Voltando aos versos.
É nos versos que me dispo e dispo o mundo, é nos versos que me embalo, que procuro e descubro o amor, são os versos que me saram a alma, que me beijam e me dizem não pares nunca, porque precisamos de ti.
Mas tenho uma mágoa que nunca te contei, queria também ter uma costela que precisasse de mim e que sentisse de peito aberto, que eu também preciso.

«« Fados e toiros ««


São tantas as vezes
Em que recordo um fado triste
Uma pega de toiros
Um marialva

São tantas as vezes, em que choro
Com o trinar da guitarra
Tio Alfredo de samarra
Encostado ao balcão
Cantando com emoção
Um amor, uma cantadeira
Seu nome Argentina, ou Severa
Amália, Hermínia, Mariza
Que encarnou tantas almas
E nos transporta na brisa
De um fado cantado
Emoções do passado


Num fado bailado
Numa Lisboa antiga
O miúdo da bica
Seu discípulo, um dueto
Cantado a preceito
Alfredo e Farinha
Uma lágrima desliza
Fresca como a brisa
Num fado cantado
Uma tourada real
Era assim Portugal.

São tantas as vezes em que recordo o toiro
Entrando na arena, homens de capa
Enfrentam a fera, a multidão em espera
Olha a porta onde sai, o cavaleiro
Traje a preceito, seu nome Luís
Dizem que é da Veiga
Mas algo me diz
Que é moiro encantado
De um certo castelo
Sorriso sincero de homem do campo
Enfrenta a besta, um olé encanto
A orquestra já toca
Um passo doble que me toca
Dança o cavalo ao som da musica
Reparo num chapéu de uma linda musa
As flores na mão
Trémulo coração

Montemor ao rubro
Espera o triunfo
De um homem de colete encarnado
Sorriso, olhar apaixonado
Mãos na cintura, um passo em frente
Olha o toiro, é seu irmão
Apressa o passo, a união
Grita o povo olé, olé
Cai o grupo em cima do Zé
Ai, grita-me a alma enorme banzé
O toiro empina um punhado de homens
É a lei divina, o que ele não sabe
É que em cada pega
Do Zé que é forcado
Sua alma navega num voo alargado

Recordo tanta vez um tempo ido
Em que brincava numa praça de toiros
Corria na arena, era livre
Cantava um fado, sem o saber
Dizia meu avô alisando o chão
Ao mesmo tempo que tremia de paixão
Filha fados e toiros, há que entender.

«« Penumbra ««


O dia acorda suavemente
O galo já canta uma melodia
Estridente, ró, có, có, có
Ai galo malandro, mas que gritaria
Olha que o petiz, ainda dormia

Acorda o dia suavemente
Chega o cheiro a pão fresco
Na mesa o café da manhã
Um sorriso no rosto, bom dia mamã
Ao som do dia eu floresço

Entro na lida do pensamento
Lembro a casa cheia de vida
Lembro aquilo que fiz, uma vida
Os dias e as horas, noites vencidas
Um olhar atento

Sob o silêncio
Que agora penetra na alma
Recorda-me a penumbra que ficou
Depois de uma vida que abalou
Presa na ponta de uma vela sem pavio

«« Paraíso ««


Tardam as horas, que passam lentas
Tarda o cantar do galo
As manhãs floridas, uma raposa
Fica presa na retina
De quem espera na madrugada
Que o sol nasça, ao sul

Tardam os dias felizes
Alegres como petizes
Tardas tu ao meu olhar
Teima a lua em minguar
E o céu a ficar estrelado
O sol a tostar o trigo ondulado
Tardo eu a vislumbrar
A tua sombra na estrada
Uma aguarela desenhada
Que conduz ao paraíso

Aquele que um dia pintei
No meio da planície imensa
Uma casa branca, desenhei
Lá ao fundo um loureiro
Mais abaixo o ribeiro
Onde iremos lavar a alma
Pintei também uma ameixeira
Com ameixas suculentas
Acolá uma oliveira
Onde adormecem poetas
Debaixo da sua sombra
Num dia de calmaria
Desenhei á luz do dia
O teu sorriso
Ao olhares a aguarela
Onde estendi o paraíso.

«« Imaginação ««


Rompe a madrugada, no firmamento
Avista-se uma nuance avermelhada
Eu juro que te vi olhando a fachada
Da casa onde moro, encantamento
Vi-te ao longe sob as nuvens
Envolto no raiar do novo dia
Vi a terra nos teus olhos, vi-os reféns
Dos meus, quem diria

Que uma noite sem dormir
Me traria a ilusão
Presa num voo de cegonha, e o dia
Que chega trazendo os sons dos pássaros
Lentamente abre os braços, e a sorrir
Fala baixinho ao meu coração
Ai Maria, Maria
Adormece numa outra dimensão.
Esquece os sonhos, esquece os versos
Mas não esqueças que há horas p´ra dormir

Ai Maria, Maria
Esquece aquilo que te diz a ilusão.

«« Indago ««


Indago cada ponto perdido na
Escuridão, cada estrela cadente
Oh Deus, como procuro o ausente
E a noite se reparte, fria madrugada

Passeio em passos lentos esta insónia
Tornou-se uma costela confidente
A ela falo de anseios e do presente
Falo de um amor e sua breve historia

Falo também da espera amaldiçoada
Por fantasmas que teimam em seguir-me
Falo da saudade trémula e arrastada

Da vontade que tenho em sair, andar
Em frente, bramar por ti aos sete ventos
Será que vou cair, p`ra não mais me levantar

«« Até sempre António Feio ««



A morte é passagem
do outro lado repousa a aura
é uma nuvem, matinal aragem
que nos fere p`ra sempre a alma

27 julho, 2010

«« Voltar a ser criança ««


Pudera eu voltar ao tempo de criança
Saltar á corda, brincar ao eixo
Correr atrás da vida, um desejo
Imaginar-me boneca estampada num realejo
Olhar a noite e ver-te a ti, uma esperança

Uma estrela lá pela madrugada
Construir castelos, elevá-los no ar
Abrir a porta de par em par
Brincar, brincar com a inocência
De quem acredita em contos de pasmar
Bonecas de trapo, uma borboleta agarrar
Aí quem me dera, não pensar em demência
Atirar-me á vida, grossa camada

De ilusão…

Pudera eu voltar a ser criança
Sentar-me no colo da felicidade
Dizer-lhe ao ouvido, tenho vaidade
Em olhar-te com perseverança

E o mundo faria girar
Mil noites mandaria trocar
Por mil dias e mil sois
Mil faúlhas brilhantes a saltar
Num braseiro, nós os dois
Rabiscando a cinza da imaginação

Pudera eu voltar a ser criança
Pedia a Deus para não crescer
Pedia também, quando envelhecer
Que não me mate da tua lembrança.

26 julho, 2010

«« Submissa ««


Na penumbra esbranquiçada da mente
Corre veloz a neblina submissa
Percorre o cordeiro que espargia
A ideia de um poema diferente

Porquê, o porquê é sempre indiferente
À caneta que se esvai na palavra roliça
Ao mote que infringe a lei que se espreguiça
Á dor de quem morde a sílaba dolente

E o papel, o papel abre as entranhas
Aceita o poema esquece dores tamanhas
Faz um filho que nasce com cabelos loiros

Olhos azuis, a criança prodígio
Do poeta enlaçado na musa, instante propicio
Poema envolto na era vindoura, instantes após

25 julho, 2010

«« Não ««


Apetece-me pintar-te de todas as cores
Apetece-me dizer que te amo, que és
O meu sonho raiado por verdes marés
O meu cume mais alto, onde moram os deuses

Mas calo o meu grito, as minhas saudades
Calo o tormento que é passar sem ti, vês
Uma mulher ausente, olhas-me através
De um silencio imposto pelas vontades

Foram tantos os creres que um dia plantei
Nasceram fracos, numa luz difusa
Morreram mais depressa do que imaginei

Apetece-me pintar-te de todas as cores
Mas a vida teima em dizer que não
Não tenho direito a um canteiro de flores.

«« Metamorfose ««


Vou transfigurando as palavras vãs
Numa tentativa absurda, que me sigas
Faço promessas, até faço figas
Parto e reparto as palavras, feito romãs

De onde saltam bagos, vermelhas e sãs
São as ideias, levadas ao rubro, contidas
Pelo medo de excessos, tardam as horas
E as palavras morrem com a manhã

Assim passo o tempo esperando, sei lá
Qual é a força da palavra, transfigurada
Por entre medos, qual o efeito que ela trará

Se digo nada em cada palavra lançada
Com a força de cavalos ao vento
Acredita é o galope, de alma enamorada

24 julho, 2010

«« Minha musa ««


O calor infernal, queima a cidade
Estamos no verão, alguém desabafa
Depressa, depressa uma garrafa
Mata-me a sede, ai que ansiedade

Os pombos mergulham no chafariz
Ai quem me dera meter-me lá dentro
Devia ser bonito, tu lá centro
E o repuxo vaidoso e feliz

Corre p`rá sombra uma criança
Grita-lhe a mãe, olha o chapéu
O raio do puto de pernas ao léu
Nos seus calções cheio de pujança

Dá uns toques na bola, rebola, rebola
Corre o gaiato para o meio da rua
Travou um carro que sorte a sua
Grita-lhe a mãe levas na tola

Por entre conversas a meio da tarde
Este calor ainda me mata
A comadre logo remata
Vossemecê só faz alarde


Estamos no verão, no Alentejo
O que mais quer senão calor
Já imaginou se fossemos dispor
Escancara a boca, enorme bocejo

Adeus vizinha, vou bater a sorna
E logo mais é que faço a janta
Não sei o que tenho na minha garganta
Dói-me que se farta, vai e logo torna

Ai vizinha que me ia esquecendo
Então já viu a Maria da esquina
Não é está prenhe a Flausina
Ora comadre é do calor
Pois fique sabendo lá disse o doutor
Enquanto cá estamos é que se vai vivendo

O calor infernal queima a cidade
Por entre as sombras, vozes amenas
Porque hoje é sábado, se esquecem as horas
Passa um turista de alguma idade
Bate uma foto da senhora Joana
Ora ouça lá vossemecê, pare com isso ou leva na mona

Final de Julho, quarenta graus
E eu vou subindo lentamente, os degraus
Que me levam a casa, sorriso alargado
Que há de melhor, que o Alentejo dourado
Amo esta terra, é a minha musa
Mesmo que por vezes a ache confusa.

«« II Carta a mim mesma ««


A noite vai alta, mais uma vez preciso de falar contigo, mais uma vez sinto uma força invisível que me leva a desnudar-me perante ti, num lavar de alma amedrontada.
Sinto uma necessidade que me impele a revelar-te alguns dos meus medos, nunca te disse, mas tenho medo de morrer sozinha.
Pergunto tanta vez a Deus porque não encaixo nesta vida, porque sinto que se morresse neste momento ninguém daria por nada, porque sinto que o mundo gira ao contrário, sinto-me presa a uma outra dimensão. Odeio as futilidades do dia a dia, por isso adio, deixo sempre para depois as conversas que deveria ter tido há muito, verdade, verdade, que nunca tens tempo para conversar, verdade, verdade, que gosto de conversas em silêncio, não me olhes assim, para quê desperdiçar o tempo em palavras vãs que nunca serão entendidas, em promessas que nunca serão cumpridas. Quantas vezes te tenho dito, de amanhã não passa, ponho o pé na estrada e vou ser eu mesma, vou acariciar as flores pela manhã, vou dizer bom dia aos pássaros, aos velhos na praça, vou sair de casa e procurar o meu rumo, porque sabes, eu também tenho um rumo, corre solto no vento e chama-me todas as noites, diz-me que ao longe a vida me espera, diz-me que se eu morrer esta noite, a vida morre ao longe.
Mas… depois fico acomodada tenho medo do escuro, tenho medo que a vida ao longe seja fria, tenho medo das promessas, dos pensamentos até de mim tenho medo.
Gosto destas conversas, gosto do teu ar desligado, minha amiga gosto que me abanes e me faças falar.

23 julho, 2010

«« Vagueio ««


Vagueio por entre as sílabas, aos meus olhos
São rosas que se desfolham, são abraços
São a recompensa para os meus passos
A ternura o reencontro, o secar de choros

Vagueio por entre as sílabas, junto todos
Os instantes de uma outra dimensão, os versos
São diamantes que então esculpi, são cheiros
Que vêem no vento suão, são também desejos

Aqueles que guardo, de uma outra era
Alimento-me de cada palavra, agora sei
Que quando escrevo, em frente seguirei

Pelos caminhos tortuosos da existência
Opaca, mas basta querer e a Primavera
Cobrirá de flores a nossa espera

«« I Carta a mim mesma ««


Escrevo-te, não porque goste de o fazer, como sempre te digo não passas de uma chata convencida.
Estás a ver, acabaste de o demonstrar com esse sorriso dissimulado, que te adivinho ao canto da boca.
Mas adiante, escrevo-te porque só tu me pareces entender, só tu sabes decifrar cada ponto final, em cada frase escrita, em cada verso perdido.
São tantas as vezes em que me pergunto, quem sou afinal, que força é esta que me faz pegar num pedaço de papel e ensopá-lo de sílabas e rabiscos que tão poucos entendem, qual a necessidade que me move em cada poema, em cada frase esculpida metricamente, em cada transfiguração.
Quero confessar-te um pequeno segredo, também tenho segredos, qual o poeta que não os tem. Podes pensar que é dissimulação, mas, por vezes tenho medo do que escrevo, tenho medo da força invisível das minhas palavras, dos sentimentos expostos, das raivas acumuladas e que se soltam como bala perdida em busca de um alvo.
Depois minha velha amiga, preciso de me desnudar e escrevendo é a forma mais racional em que o sei fazer, não desnudar-me no sentido relativo da palavra, mas desnudar os recantos escondidos da alma, aqueles que em meu perfeito juízo escondo a todo o custo.
O contra senso é que nos momentos em que deveria dizer de minha justiça me calo, essa outra coisa que não entendo, o bloqueio que me aflige nas horas mais impróprias, nos momentos em que deveria soltar tudo o que me moí, acerca-se de mim o silêncio, gélido de quem não está ali, de quem deu o salto para o infinito e lá se resguarda do mundo.
Depois olham-me como louca, esquecem-se que os loucos também sentem medo, também sentem frio. E como é frio o olhar acusador de quem não nos entende, mas mais frio ainda é quando fazem questão de não nos entender.
Hoje também me apetece dizer-te outro pequeno segredo, apetece-me falar-te da minha caminhada em busca de recordações para as quais não encontro ponto de referencia, é como se num tempo ido tivesse vivido uma outra vida, umas vezes essas recordações assolam-me quando penso que durmo o sono dos justos, outras vezes saltam como bonecos inanimados no bastidor do artistas, por vezes esses bonecos ganham vida em situações do dia a dia, numa leitura, numa foto de um qualquer lugar onde nunca coloquei o pé, mas que o meu olhar reconhece num primeiro reflexo.
Eu não te disse, só a ti posso escrever, não tenho mais ninguém a quem o possa fazer, quem me entenderia senão tu, quem estaria disposto a ouvir estas sandices, para no final me dizer, não estás louca, comigo passa-se o mesmo.

«« Vida ««


Se um dia me desfizer em pó, pela
Estrada que conduz a nenhures, não sou eu
É a minha sombra que se afastou, foi Deus
Que a empurrou pela frincha da janela

Ordenou-lhe que corresse em busca de mim
Perdida que estava, numa encruzilhada
Vai corre, mete o pé nessa estrada
Vasculha o vento quem sabe se assim

Te encontras perdida, te encontras na vida
Descobres que os dias não são sempre iguais
Há dias felizes, outros outonais

Dias de saudade, de angustias profundas
Mas há dias em que restam ainda
Pontas por juntar, de uma vida vinda.

«« Serei ««


Responde terra barrenta por favor
Alivia algumas duvidas que ferem
As lembranças que sem saberem querem
Amedrontar-me como fio condutor

Que me faz questionar, que clamor
É este que me assombra a alma, sem
Que eu consiga vislumbrar mais alem
Do que o que sinto com quieto amargor

Serei nada, sem nada ser, sem nada ter
Serei criança que chora com fome
Serei mulher, que espera e não dorme

Serei esperança, um talvez, ou amanhã
Serei o campo, um fruto silvestre
Só não serei, terra fria e agreste.

22 julho, 2010

«« A verdade ««


Procuro pontos de junção por entre sombras
Onde encaixe pequenas partículas de um eu
Que tenta em vão, encaixar-se em nadas
Rebuscados pelas sombras em jubileu

Procuro o ponto de encaixe do meu sentir
A dor dilacerada em cada hora morta
Que fere o ouvido, como abelhas a zumbir
É o vento nocturno que me entra pela porta

Um vento gélido, que me mata a vontade
De procurar um lugar que seja meu
Um abraço, num sorriso que me guie

Pela encosta da vida, me abra a porta
A escancare de par em par, a verdade
Perdi a vontade de acreditar, e quem se importa

«« Estilhaços ««



Sempre que ouso acreditar me perco, não sei
Se me embrenho sempre mais e mais pelo incerto
Se o mundo lá fora é radioso ou encoberto
Se o dia me afasta, quando ao longe avistei

Um lago azulado onde um dia apaziguei
Um enorme braseiro era o sol no deserto
Meu Deus como eu queria mantê-lo desperto
Mas a sorte é madrasta e eu sem saber naufraguei

Afastei-me do dia, na noite corrompi os sonhos
Fechei-me á chave num velho e bafio alçapão
Adormeci com teu rosto, perfeita visão

Enrosquei-me no sul, acordar não quero não
Não quero seguir os teus passos nem os compassos
Do teu coração, onde me afogo por entre estilhaços.

20 julho, 2010

«« Perdida ««


Perdi-me há muito nas cores cruas
De um qualquer recanto da existência
Perdi-me de mim e do dia, por entre luas
Por entre nesgas difusas de ausência

Perdi-me á nascença por entre as adagas
Cravadas numa hora de conveniência
Sempre que a vida supera derrotas
Sempre que o choro é consistência

Perdi-me da vida, ou ela me perdeu
Perdi-me de tudo o que havia a fazer
Perdi-me do tempo, que há muito roeu

A corda da espera, que queria crescer
O tempo avançou, e eu lá fui andando
Quem sabe me encontre no alvorecer.

«« Mar ««


Desço a ravina que leva ao mar
Por entre pedras soltas
Rebolam, e caem nas ondas
O mar é sepulcro de espuma no ar

Piso a areia molhada, um arrepio
A água gelada me lembra quem sou
Um pedaço de gente, que grita não vou
Entrar nesse mar, ainda morro de frio

Mais um passo em frente
E a água está morna
Aos poucos o mar se torna
Um feixe de luz airosamente
Entro nele timidamente
Uma onda me beija a face
Espero que ela me enlace
E avanço para o infinito

Subo a ravina que vem do mar
Trago no olhar uma esperança vã
Que me lembra folhas de hortelã
No peito vontade de bailar

Ao som das ondas numa tarde calma
Sentir-me leve, um lavar de alma
Ouvir uma voz, em palavra amiga
Correr na areia ter quem me diga

Entra nesse mar
Que o tempo está a espreitar.

19 julho, 2010

«« Na minha janela ««


Debruçada na janela escancarada
Reparo numa pequena estrela
Oh, como brilha como é bela
Imagino, será que mais alguém a vê
No instante em que prevê
Que um dia me faço à estrada

Velhinha cheia de curvas
Que transpõe o mais alto monte
Que conduz a longínqua fonte
E os dias transforma em pontes
Pontes de luz que iluminam as noites
Por entre sonhos, formosuras

Pela janela escancarada
Reparo num ponto alto
O cimo daquela igreja
Avisto uma cegonha anafada
Dormita em sobressalto
Acho que espera que eu veja

Que trouxe presa no bico
A ponta daquela estrela
Eu juro consigo vê-la
Daqui da minha janela
Amanhã, quando o sol raiar
E a cegonha despertar
Peço-lhe que volte ao céu
Num voo perfeito e picado
Peço que te leve um recado
Preso nas pontas de um véu

Que tomes aquela estrada
Velhinha cheia de curvas
Por entre poeiras amontoadas
Vislumbrarás uma estrela sem ponta

Encaminha-te a mim na madrugada
Por entre penas de cegonha
Eu fico de faces rosadas
O meu sono ganha asas.
A ponta da estrela sela
Esta noite fresca e bela
E o beiral da minha janela.

18 julho, 2010

«« Alqueva ««


Seu eu olhasse um lago azul
Nele visse o teu olhar
Se eu andasse sem me cansar
A esse lago, iria parar
Lago das terras do sul.

Perdido na imensidão agreste
De um Alentejo profundo
Parece que é senhor do mundo
Alqueva reflecte, o azul celeste

Debaixo das suas águas
Repousam casas caiadas
Por mãos morenas cansadas
De mulheres de antigamente
Repousam sonhos em semente
Que cobriram de oiro o campo
Trigo cevada e centeio, encanto
De vozes do belo cante
Debaixo das suas águas
Repousa um sobreiro gigante
Abrigo de velhos amantes
Um pastor e uma ceifeira
Ao lado uma azinheira
Mais abaixo uma aldeia
Aqui e ali uma colmeia
Que brilha com a lua cheia.

No cimo das suas águas
Brilha a esperança, a alegria
Ao olhar de uma criança
Abraçando o novo dia
Alqueva tu és mudança
De um povo a fantasia.

17 julho, 2010

«« Velhos do Alentejo ««


Pelos campos soltos sem medo
Os sonhos de um homem de credo
Pé ante pé vai guardando em segredo
Alqueires de pedras, perfazem rochedo

As rochas são força que transparece
Em cada pedra solta no baixio
São dores, anseios, são fascínio
De gente do campo, que tudo conhece

Sabe de cor a lua, a estrela polar
Sabe que amanhã o vento vai soprar
Sabe que o mocho pia á tardinha
E que aquela Maria é bonitinha
Sabe que os calos, são medalhas
Ganhas com garra, grandes batalhas
Sabe que o mundo há-de acabar.

Pelos campos escondidos em degredo
Os olhos negros, já se vão fechando
Está velho demais, e de quando em quando
Ainda passeia pelos olivais
Olha o sol, adeus até mais
Estou velho, cansado outras coisas tais
Ao Alentejo lego os meus ais
Em pó me deslasso, manhãs Outonais.

«« Espelho ««


Desfolho um rosário bravio
De reflexos perdidos no espelho
Louco do mundo, lhe peço conselho

Peço que me diga o porquê
Das mortes tão prematuras
Infelizes criaturas
Envoltas em guerras de quê
Guerras de ambições ambíguas
Que tudo varrem com ódio
velhos morrem à mingua
Enquanto cultivam o ópio

Peço conselho afinal
Para a minha descrença
Perco o senso e perco a esperança
Ao ver uma criança, criada como animal
Ao ver a miséria exposta
Na montra do novo mundo
Mendigo mendiga imundo
Por um pedaço de vida, enquanto alguém aposta
Que a vida nada vale
No mundo é rei e senhor
Aquele que não teme a dor
Quem é rei que se regale
Com os martírios alheios

Enquanto eu peço conselho
Ao espelho que trai a esperança
Ao olhar uma criança
Empunhando uma g3.

Enquanto eu peço conselho
Para aquilo que não entendo
Por mais que tente, sustento
Meu olhar perdido no espelho.

16 julho, 2010

«« Homens do Alentejo ««


Homem de olhar trigueiro
Tez de canela e avelã
Porte altivo, não é coisa vã
Sua mão calejada no mês de Janeiro

Vive da terra, na terra morre
Parte pra longe mas sempre volta
Por mais que sorte lhe seja torta
Em passo lento, depressa corre
Tráz na bagagem sonhos idos
Levou aos ombros tantos gemidos
De um Alentejo esvaído em sangue
Fugiu da guerra, morreu na luta
Enfrentou a sorte como quem chuta
Sonhos desfeitos pelo chicote
Gerou um filho, em liberdade
Cantou, gritou a igualdade

Homem moreno de um chão imenso
Preso no ser, no sol suspenso
Carrega nos ombros a sua terra
É Alentejo. És tu que geras
Os filhos idos nas primaveras
Lambuzas-te na terra há tantas eras

Olha o mundo, não diz nada
Escuta os jovens, sorriso largo
Porra gaiatos, não sabem que amargo
É um homem gritar de boca fechada.

Olha os jovens, ultimo adeus
São os seus filhos, são netos seus
Passa-lhe a terra, num arremesso
Cuidem bem dela, isso lhes peço.

«« Mulher Alentejana ««


Mulher Alentejana é madrigal
É aragem fresca, água que corre
É sentimento que nunca morre
Mulher Alentejana é farol
A sua luz faz inveja ao sol

É força agreste, terra barrenta
Fruta silvestre, amora preta
Veste-se de negro simples discreta
Esconde o choro num riso franco
Olha o campo é filho seu
Morreu na guerra, luto lhe deu
Raiva bravia, fundo barranco
Que lhe engoliu os sentires
Rugas na pele gasta p`lo sol
Já foi menina de frescas carnes
Foi rainha de alguns amores
Hoje velhinha pensa na prol

Olha pró sol, aqui estou eu
Vivi a vida que Deus me deu
Posso morrer vou descansada
Perdi os passos naquela estrada
Ganhei o chão onde vou morar
Com o meu filho vou descansar

Olha pró sol, ultimo adeus
Á terra virgem, barro gasto
Já não há trigo, já não há pasto
Ai Alentejo dos olhos meus.

14 julho, 2010

«« Recordação ««


Recordo cada detalhe do teu rosto
Recordo um sorriso disfarçado
Aquele olhar mais prolongado
Um curvar de ombros composto
Uma ruga no canto do olho
Um brilhozinho sagaz e matreiro
Os teus cabelos, e o teu cheiro
Lembra-me o loiro restolho

Recordo os passos perdidos
Na calçada do pensamento
Percorro-a a qualquer momento
Mesmo que o andar seja contido

Pelo receio daquela curva
O que será que ela esconde
Será um verdejante monte
Ou uma fonte de água turva

«« Vontade ««


Hoje apetece-me não ser eu
Ir mais além que a imaginação
Correr ao encontro da vastidão
Que é a memória, em apogeu

Apetece-me recriar o presente
Inundar os locais sombrios
Enterrar todos os fastios
Ser eu, de forma diferente

Ter coragem de olhar bem fundo
Gritar eu sou vagabundo, sim
Talvez o seja num frenesim
Antes vagabundo, que moribundo

Queria correr ao encontro de ti
Dizer-te, cheguei estou aqui
Sou de cimento mas alui
Demorei uma eternidade, mas consegui

Hoje apetece-me não ser eu
Desnudar-me num verso vesgo
Virar as costas ao aconchego
Abraçar a vontade que endoideceu.

13 julho, 2010

«« Tempo ««


Tento correr contra o tempo
Mas ele passa apressado
No seu passo descontrolado
Arrasta até o vento

Que me visita horas mortas
E me vai falando de amor
Fala-me também de dor
Do medo, das fantasias
Fala-me do tempo abafado
Das cearas onduladas
Por vezes fala-me da horas
Que conto sem te ter ao meu lado
Mas o tempo é alheamento
Arrasta-me a todo o momento
Quando o tento alcançar
Já não lhe ouço o andar
Virou a esquina da vida
Sinto-me pequena e perdida
Perdida, sem nunca ter tempo.

12 julho, 2010

«« Homens ««


Nem uma mosca se move
O calor é infernal
Porque será que não chove
Uma boa chuvada, afinal

Nunca estamos bem
Nada nos contenta
Se chove é uma tormenta
Muito calor, a quem convêm?
Mas que raça irracional
Somos seres superiores
Por mais voltas que dê, algo está mal.
Homem no mundo, é amador.

11 julho, 2010

«« Indecisões ««


Indecisões são picos
De alcachofras campestres
São medos, são cintos
Insidiosos caminhos pedestres

Indecisões são agruras
Das quais não me liberto
Queria saber ao certo
O que são dias e horas
Sem saber porque os meus versos
Te trazem preso nas rimas
Porque saltas aos meus olhos
Em indecisões precisas.

«« V Alarido ( O peso das minhas duvidas) ««


Pesa-me uma saudade em alarido
Curvo os ombros. Tão grande peso
De uma ausência, um eco descabido
Mas sempre, sempre coeso
Meu Deus que peso cândido
Na sua inocência revela
Que a noite é matreira
É espada de bandido
É mar sem caravela.
Num olhar alongado
Tento vislumbrar uma estrela
Pedirei que ela te dê um recado

Pedirei que te fale do meu peso
Rogarei que te fale com cautela
Que não te acorde sem ouvires, este eco abafado

10 julho, 2010

«« Eco distinto ««


Foquei um ponto sucinto
Meus olhos juram que viram
O teu rosto no labirinto
Onde duas lágrimas caíram

Caíram num breve silêncio
Que o meu coração me deu
No segundo em que doeu
O meu quarto tão vazio
Se dizer não é porque minto
Os meus ais já não expiram
Tornaram-se eco distinto
Nem nas lágrimas se esvaíram.

08 julho, 2010

«« Ápice ««


Fecho os olhos por um segundo
No negro que se achega, adivinho
Teu rosto, ao de leve um carinho
Teu sorriso franco e profundo

Breve ilusão, musica de fundo
Uma lamparina, um travo a vinho
Ápice claro cheira a azevinho
Luminária que reflecte por um segundo

Uma tez morena, brilho no olhar
Ligeira ruga no canto da boca
Passo ligeiro ao caminhar

Aos poucos eu vou voltando
A retina de novo foca
Aquele melro que vai voando.

«« Rio e choro do mundo ««


Não indaguem porque rio
Nos dias em que almejo chorar
Até eu queria alcançar
Porque rio do vazio

Se sou sã ou demente
Como querem que responda
Se o mundo é esfera, redonda
Tanta razão, tão diferente

Não queiram saber porque choro
Num riso que deita abaixo
Um gesto mudo mas prefixo
O meu choro é riso sonoro

Não me olhem desse jeito
Nem me tentem entender
Sei que sou mó de moer
Sou pedra de rio sem leito

Perdi-me na enxurrada
Do choro e do riso a eito
Fujo do preconceito
A mente é a minha enxada

Talvez não cave tão fundo
Como eu acho que devia
Mas ao rir e chorar do dia
Do dia que nasce imundo

Cavo, cavo até mais não
Abro buracos perfeitos
Enterro lá os defeitos
Deste mundo em trambolhão

E assim rio se quero chorar
E choro se me apetece rir
É minha mente a aludir
Fazendo a esfera saltar
Fazendo o mundo girar
Ficar um pouco melhor
Com a mente colho a dor
Colho também o ódio
Deito abaixo do pódio
Tudo o que é retrógrado

Num buraco bem fundo
Enterro os devaneios
Os risos são finos lábios
Que querem beijar o mundo
Sonham que secam as lágrimas
Deste mundo, por um segundo.

07 julho, 2010

«« O pastor ««


Corre apressado ao encontro de si
Entra na dança das sete saias
Ligeira cadencia sempre que ensaia
Um belo sorriso que não tem fim

Olha o dia é de manhãzinha
Já raiou o sol lá no montado
Mas onde está o raio do cajado
Ai Jesus que sorte a minha

Mais um volta e abre a porta
Como quem quer sorver a vida
Corre o cão já sabe que a lida
Os espera pelos campos fora

Anda Piloto deixa a preguiça
O rebanho está cheio de fome
Porque será que vida de pobre
Não passa de pão com linguiça

Anda piloto vamos á vida
Que o dia corre e não espera
A noite veste-se de roupa negra
Anda piloto não há saída

Entra na dança das sete saias
Homem do campo, olhar profundo
Agra ardente, tal vagabundo
Pastor, poeta de maresias

04 julho, 2010

«« Bom Dia em video ««

«« Bom dia ««


Apetece-me partir partículas ao meio
Um grão de areia, um pigmento de cor
Uma ilusão que se alberga no seio
Uma rosa brava no seu esplendor

Apetece-me partir partículas ao meio
Dividi-las em moléculas de esperança
Espalhá-las no ar feito lembranças
Falar às gentes é o meu anseio

Que o dia traga alegria
Um beijo e um sorriso alargado
Um olhar sem encontro marcado
Que o dia traga magia

No olhar pasmado da criança que salta
No eixo da vida, passo apressado
No canto da boca, cansado
Do velho que sente a falta

Das corridas de outrora
Uma vida cheia
Um arremesso da sorte, tão fina teia
Um cair de ombros sem maré cheia


Que o dia traga alegria
Um calor, um aconchego
Em cada partícula te entrego
Fragmentos de poesia.

02 julho, 2010

Morro em cada ideia dispersa, de seguida encontro o eixo que me eleva pelo ar, assim dou asas à vida e aos poucos desnudo-me de mim..

«« Oásis ««


Sempre que os dias ficam mais compridos
Os meus olhos teimam em ver o incerto
Tudo fica árido como um deserto
Nem uma gota de água me chega aos lábios

As ideias são emaranhadas de tentáculos
Selváticos que me impelem ao enxerto
De mil ou de uma vontade, campo aberto
Terra gretada pela salmoura dos choros

E tu que me olhas, e não me conheces
Ficas impávido nesta nostalgia pobre
Mas consegues pintar-me de todas as cores

Olhas-me num olhar resguardado que encobre
O medo mordaz, mas que é tão simples
Aos meus olhos és, um oásis que se descobre.

01 julho, 2010

«« O tempo é definição ««





O tempo urge em cada fim de tarde
Estreita os nossos anseios
Num ritmo agonizante
Tão decadentes são os nossos medos
Porque o receio me parece impostor
Há nele um não sei quê que me impele
A acoitar-me na noite que espreita
Numa vigia que me protege
De ti e de mim, numa clausura que é feita

Do imaginário infernal…

Meu amor
No recolhimento em que reinam
As tuas e as minhas paixões
Será que existem motivos para contradições
Será que a minha e a tua alma são da mesma massa
Será que o teu medo me vê nua
Será que temos as mesmas aflições

Não estará a coragem na união

Quem sabe não estará na junção
Do tempo que urge à noitinha
Sempre que cai uma chuva miudinha
Que geme na perfeita fusão
Com a terra ressequida
Como eu queria ter a mesma guarida
Que a agua encontra no chão
E o tempo, é definição

Ou o olhamos de frente, e saltamos mais que ele
Ou somos aniquilados, e aí é tempo de nada
Por mais que se martele
Jamais ganhará forma a calçada