02 junho, 2009

«« Os devaneios da Maria Papoila ««

Maria Papoila, moçoila casadoira, de carnes cheias, nem demais nem de menos, a medida certa, assim se comenta na taberna da aldeia. De seu pai herdou o porte altivo, a mania das grandezas, olho verde e tez leitosa, sua mãe essa deixou-lhe de herança dois calos no dedo mindinho, um ao lado do outro, ali onde o dedo termina e a planta do pé começa, coincidência dizem uns, sina dizem outros, mas foi de uma tia avó que recebeu herança abastada, uns marmelos anafadinhos de se lhe tirar o chapéu, cobiça de qualquer homem da terra, inveja de todas as mulheres.
Por volta das nove da noite Maria saiu de casa para o seu passeio habitual pela estrada velha que vai dar ao cimo da serra, leva esse caminho a uma enorme rocha que pela sua dimensão e formas um tanto ou quanto disparatadas, fazem dela um local de culto das moças solteiras e algumas viúvas da região, é formado o dito monumento por uma pedra mais comprida ao centro e uma redonda de cada lado, fazendo lembrar a varinha de condão e as respectivas bolas de cristal que o Jerónimo ajeitava entre as pernas sempre que a Maria Papoila se descuidava e deixava adivinhar o que escondia entre as suas, Jerónimo foi em tempos o seu companheiro de brincadeiras, rapaz moreno um pouco vesgo, as raparigas comentavam em surdina que nas partes baixas era o mais avantajado da aldeia, era ele o conforto da viúva do tio Anacleto, foi com ela que aprendeu a arte da alcova, daí nunca ter dado grande importância ás suas formas arredondadas, até porque a diferença de idades ainda era alguma, não odiava ninguém mas jamais perdoaria ter sido trocada pela viúva, isso jamais.
Com estes pensamentos se meteu ao caminho, nem vivalma, só se ouve o piar das corujas e o murmurar da água do ribeiro, como rejuvenesce nestes passeios, sente-se livre, liberta pouco lhe importa o falatório das vizinhas, falam por inveja. Rapariga dada ao natural enquanto caminha vai -se livrando da roupa peça a peça, falta despir as delicadas cuecas, com as iniciais do seu nome bordadas a ponto de cruz com fio de ouro, assim marca toda a roupa interior, símbolo de valor e resguardo, sim, porque Maria é virgem em tempos namoriscou o carteiro da aldeia mas depressa se cansou dele, só ele e o Jerónimo tiveram o privilegio de provar o sabor dos seus beijos, os homens são todos uns idiotas pensa, nenhum me merece, sente-se uma daquelas concubinas de um qualquer romance barato sempre que mete pés ao caminho para cumprir o seu ritual diário, ela é a amante espiritual do deus pedra.
Maria parou, um ligeiro barulho despertou a sua atenção, não conhecia a palavra medo, mas desta vez algo a susteve, algo lhe dizia que não caminhava sozinha, avançou mais um pouco pé ante pé, quanto mais avançava, maior a certeza que aquele barulho não lhe era familiar, a noite caiu faz algum tempo, sentiu um arrepio na espinha que lhe deixou a pele como se de uma galinha depenada se tratasse, seus olhos verdes esmeralda arregalaram-se numa tentativa de vasculhar a escuridão, era noite de quarto minguante, ainda por cima o dia tinha estado enevoado, nem uma réstia de luz se avistava, apressou o passo nada a faria voltar para casa sem fazer o que tinha que ser feito, tinha sido a escolhida da rocha só com ela o deus pedra se saciava teve a certeza disso numa tarde de Agosto em que pela primeira vez se despiu naquele local, e tocou as suas partes mais intimas, não era ela que se tocava, era a pedra, que lentamente a penetrava, tal foi a sensação de prazer que todas as noites o ritual se cumpre dia após dia.
Maria desconhece que num desses momentos de luxaria não estava sozinha, Jerónimo o seu companheiro de brincadeiras escondido por entre uns arbustos assistiu a tudo, e com ela gozou em silêncio, jurando a si mesmo que a haveria de possuir fazendo-se passar pela maldita pedra.
Dito e feito, depois de muito pensar elaborou o plano, apetrechou-se de um bocado de serapilheira, que pintou de cinzento igual à pedra, andou pelos recantos mais sombrios catando musgos para colar na saca assim esta ficaria mais macia, a bendita rocha ficava junto à nascente do ribeiro e estava coberta de musgos, agora só faltava descobrir o que fazer para pôr a Maria Papoila de quatro, num serão depois de beber uns copitos fez-se luz, iluminaria o local, para isso precisava de algumas velas para pôr ao redor da rocha, só meia dúzia de velas para que a rapariga não lhe descobrisse a marosca assim que chegasse, ainda faltava o som este tinha que ser fantasmagórico mas ao mesmo tempo sensual, lembrou-se então que o padre da aldeia tinha a mania que era musico, e costumava tocar uma velha rebeca sempre que se sentia mais sozinho, as más línguas diziam que só tocava para avisar a mulher do sacristão que estava na hora de visita habitual, claro está só nos dias em que o sacristão ia para a taberna jogar o seu joguito de baralho, más línguas nada a fazer, muniu-se de um velho gravador e foi para debaixo da janela do quarto do padre gravar os som da velha rebeca, mas, ainda não bastava então esperou que a visita do padre chegasse subindo ao peitoral da janela conseguiu gravar os gemidos de prazer que vinham da alcova do padre, mais tarde tratou de fazer a mistura e o som ficou perfeito.
Na noite anterior nem dormiu, suores frios escorriam-lhe pelo pescoço, imaginou a Maria Papoila despindo-se lentamente por entre a folhagem da velha estrada, sentiu o seu cheiro a amora silvestre, as cuecas bordadas, haveria de lhas roubar, seria o seu troféu, e agora ali estava trémulo à espera que ela aparecesse, quando ouviu os seus passos nas pedras do caminho não se susteve e veio escondido na escuridão ao seu alcance, seguiu-a pé ante pé, fazendo o mínimo de ruído, mas as malditas das mulheres tem um sexto sentido e ela apercebeu-se que algo se passava, tinha que ter mais cautela, por isso ficou para trás, não fosse o plano dar gorado depois de tanta trabalheira, esperou que ela se aproximasse da rocha, deleite dos deleites.
Maria ao aproximar-se ficou sem fôlego ao deparar com as velas ladeando a pedra, um gemido sussurrante ao mesmo tempo musical se espalhava pelo ar, milagre gritou Maria Papoila, e correu de braços abertos deitando-se ao comprido sobre a rocha, rebolou sobre si, Jerónimo aproveitou esse momento e saltou-lhe para cima, minha pedra, gemeu Maria aqui me tens penetra-me faz-me mulher, Jerónimo não se fez rogado, penetrou-a por trás, sentiu o seu ninho quente e fez dela mulher.
Maria Papoila, jaz sobre a rocha fria, acordou de um longo e profundo sono, onde mais uma vez se tinha entregue ao deus pedra, tudo lhe dizia que a rocha cheirava a tabaco, devia estar doida, e as suas delicadas cuecas tinham desaparecido, foi a pedra que lhas roubou, não faz mal, amanhã vestirá outras, mas o que menos compreendia eram os pingos de sangue pelas pernas a baixo, será que engravidou, será que a rocha vai ser pai, com estes pensamentos se vestiu e abandonou o local.
Esta noite Maria lá foi ao encontro da rocha, mas no local onde estiveram as velas estava o Jerónimo sentado afagando as delicadas cuecas bordadas a fio de ouro, ao seu lado estendidas sobre a pedra a serapilheira metade dos musgos colados tinham desaparecido na noite de ontem.
Maria Papoila finalmente compreendeu o que tinha acontecido, deu-lhe um par de estalo, de seguida abraçou-o e pegando-lhe pela mão levou-o dali para fora. Nunca mais a Maria subiu ao monte agora, dorme todas as noites abraçada ao seu deus, que deixou de ser de pedra.

Sem comentários: