09 outubro, 2010

«« Solidão ««


Joana vive sozinha, há muito que o silencio se entranhou nas velhas paredes do casebre onde mora, ao fundo da rua da ladeira, em Pedras Negras. Em tempos foi uma casa alegre e cheia de vida, no tempo em que os pais eram vivos, e os irmãos pequenos, os pais morreram ia para quinze anos e os irmãos tinham seguido a sua vida, foram morar para a cidade. Não tem amigos, apenas conhecidos, não que não gostasse de os ter, mas o seu jeito calado afasta as pessoas. - Porque será que se perde tanto tempo, com conversa fiada, pensa de si para si, sempre que houve a tagarelice das vizinhas.
É segunda feira, a hora vai alta, sente-se mal, um aperto no peito, um tremor nas pernas, se não fosse o gato, companheiro de horas gastas, não se teria levantado neste dia. Há mais de uma hora que está sentada no velho cadeirão de verga, olhando um ponto negro no teto da sala de estar, até o gato presente que algo não está bem, e roça-lhe as pernas a cada dois minutos, Joana nem o sente, tal a abstracção que a envolve.
Os pensamentos correm para aquele ponto negro.
Se a sua vida tivesse mais cor, se o destino lhe tivesse trazido amor, se não tivesse só o gato por companhia, se ela tivesse sido bonita, se a terra fosse farta, a sua casa cheia, com um jardim em frente da porta da rua, se, se, se. Joana sente-se ir envolta nos ses.
O gato agora mia, num miar agoirento.
Joana está cada vez mais distante, o ponto negro ganhou a dimensão de um balão, as suas mãos geladas elevam-se tentando apanhá-lo, assim que o balão esvoaça na sua direcção, mas este ri-se dela, e vai dependurar-se na moldura do espelho, suspenso numa das paredes da sala.
Nem se apercebe que treme de frio, apenas um suspiro a abanou, quando o balão lhe passou rente à face. Não tentou levantar-se, o ponto negro não há-de levar avante. Vai continuar ali olhando o nada, até ele desaparecer.
As pálpebras pesam-lhe e aos poucos Joana rende-se a esse peso, sabe que não vale a pena lutar contra o cansaço que se apossou dela neste dia, mesmo que quisesse não conseguia, está demasiado fraca, há muitos dias que deixou de comer, nem se lembra quando bebeu água pela ultima vez
Joana fecha os olhos, mas, antes ainda vislumbra ao longe o pai e a mãe que lhe acenam, dizem qualquer coisa, inaudível aos ouvidos do gato, mas que Joana consegue decifrar.
- Já vou, não demoro nada, é só despedir-me da roseira encostada à ombreira da porta.
O reboliço instalou-se na aldeia, não é que a tia Joana morreu a apanhar rosas.

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